Para qualquer casal aquele podia ser apenas mais um quarto acarpetado, com cheiro de amaciante e espelhos por todos os lados. Não para nós dois. Não tínhamos tempo para isso. Demoramos muito para chegar até ali. Quilômetros de desencontro e anos de inacreditável distância. Alguns passos e o chão virou armário e a parede virou cama. Só os espelhos de testemunha. De alguma forma sempre haviam espelhos. Nas fotos codificadas, nos olhos que sorriem e, invariavelmente, nas paredes destes quartos possíveis. Estão ali, multiplicando na rara realidade o que a imaginação e a lembrança arquitetam nas contagens regressivas, entre elucubrações que surgem do nada ou vão de Elba a Piaf. A grande verdade é que tudo some diante dos espelhos. Eu nunca mais fui a mesma depois daqueles espelhos. Melhor, eu nunca mais fui a mesma depois daquele olhar que só conheci porque havia um reflexo no espelho. Reflexos além da cumplicidade. Reflexos da fome, da sede, da vontade, do suor e, sobretudo, do segredo.
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