O pensamento analítico pode estar um pouco enferrujado, mas os episódios decorrentes da passagem do Katrina foram tão chocantes que um breve exercício de filosofia e ciência política foi mais fácil do que eu esperava de mim mesma. Me perdoem se eu fizer algum confusão de autores só vou escrever o que passava na minha cabeça a cada notícia vinda do norte. De cara, vi O Príncipe. Ele sabe que o dinheiro do socorro está longe, no Oriente Médio, assim como a guarda nacional também. Nesse momento O Príncipe se lembra da lição que diz que, quando mal quando é inevitável, ele deve acontecer de uma vez só. Então dá um tempo. Deixa a tragédia chegar para depois aparecer com as doses homeopáticas do bem, como na cartilha, na forma de visitas políticas, na ajuda humanitária internacional, no canto dos artistas patriotas. Também vi o utópico Contrato Social de Rousseau ser rasgado, pisoteado e reduzido à versão de Locke e ao individualismo possessivo dos plenos cidadãos apenas – os afortunados.
Mas o que mais me impressionou foi ver a figura do Leviatã bem ali, em Nova Orleans. Igualzinho ao desenho do livro, com espada e tudo. Imponente e inútil. As imagens dos saques, dos roubos, da mídia preconceituosa, dos corpos espalhados nos abrigos, me trouxeram à mente a pior imagem de todas: homo homini lupus – o homem, lobo do próprio homem. E Hobbes, cuja frieza e objetividade tanto me chocaram no primeiro ano da faculdade, voltou a me chocar agora. Não há povo civilizado que resista ao desprezo das autoridades, ao medo da morte e à fome. Nem no “primeiro” mundo.
1 comment on “Tia Hustana já dizia…”